Enquanto o avião acelera, passageiros tentam adormecer, outros procuram ficar acordados para aproveitar cada segundo do mundo visto ali de cima. Talvez pensem que as coisas vistas lá do alto sejam mais bonitas, os problemas menores, enfim, a vida como se fosse o jardim de uma casinha de bonecas… Enquanto isso, alguns conversam, outros ficam em silêncio, alguns leem, outros se ajeitam interminavelmente na poltrona… Há, ainda, os que, em poucos segundos, tomam grandes decisões.
Dada a variedade de situações que ocorrem dentro de um avião, penso que, às vezes, o melhor seria acionar o setting analítico e reclinar a poltrona. Como dar conta da duração de uma viagem no tempo? Idealmente, para se chegar a um destino, há um período de voo estipulado. No entanto, nem sempre acontece de o tempo cronológico obedecer ao plano de voo inicial. Os motivos variam: um aeroporto fechado por causa de um mau tempo, que impede a aeronave de aterrissar; um problema técnico; uma diferença grande de fuso horário etc.
Mas, independente de atrasos ou antecipações, o tempo que se passa em uma aeronave não é contado, psiquicamente, da mesma forma por todas as pessoas que ali estão. O substantivo tempo vem do latim tempus; temporis. Ambos os termos significam a divisão da duração em instante, segundo, minuto, hora, dia, mês, ano etc. A pergunta a se fazer é como demarcar, para além dessa divisão cronológica, a duração de uma viagem ou o que se passa na cabeça de alguém nesse período?
Assim, 50 minutos podem parecem 50 horas para aquela pessoa que muito esperou por um determinado encontro, mas também podem significar 5 minutos para aquela que quer procrastinar aquilo que lhe aguarda em seu destino final. Essa oscilação na duração temporal não seria muito parecida com o tempo lógico de uma sessão analítica?
Penso que sim. Muitas vezes, parece que uma sessão de análise durou horas, quando, cronologicamente, foram alguns minutos. Em algumas, a pessoa foi transportada para um tempo da infância, em outras, para pensar na vida dali a 5 anos. Enfim, subjetivamente, o tempo em cada sessão é singular e leva a cada um pensar em diferentes modos de lidar com ele.
Sabemos que a um passageiro é impossível controlar o tempo de uma viagem. Da mesma forma, quando se entra em uma sessão de análise, não se pode ordenar ao inconsciente “vamos, mostre a sua cara agora”! “Signifique, faça um lapso!!!”. E quem disse que o tempo de uma sessão se finda quando o paciente sai do consultório?
O tempo de uma viagem, tal qual do inconsciente, tem um ritmo, um compasso próprio que independe da vontade individual. É preciso esperar ativamente sua manifestação, a sua hora, e estar atento aos diversos avisos que ele nos dá.
Durante essa “viagem”, lembro-me de uma paciente de oito anos que um dia me disse: “minha mãe falou que a viagem era muito longa, mas eu marquei no relógio e chegamos numa hora diferente da que ela falou, e estamos em outro país, como pode?”. A indignação dessa criança é maravilhosa. Nessa pouca idade, ela ainda não calcula a diferença de fuso-horário. Pensa que só existe um único tempo em todo o mundo.
E o que acontece quando alguém cresce e ainda está fixado em uma posição cristalizada com relação ao tempo? Quantas pessoas literalmente “pararam” no tempo? Penso que é justamente com essas questões que um analista lida quando recebe alguém que está calcado em uma única verdade a respeito do tempo, seja do passado ou do futuro.
Ao contrário do tempo cronológico que “não pára, não pára não”, funcionando sempre linearmente, o tempo da psicanálise opera por retroação. Para frente e para trás em um vaivém constante. É, portanto, nesse vaivém, idas e vindas da fala do analisando que o analista atua, com uma pergunta aqui, uma pausa ali, para surpreender o sujeito, provocando uma turbulência em suas certezas e tirando-o do piloto automático.
Antes de aterrissar e pedir para que coloquem a poltrona na posição vertical, lembremo-nos de uma recomendação de Lacan (1953, p. 253): “a arte do analista deve consistir em suspender as certezas do sujeito, até que se consumem suas últimas miragens. E é no discurso que deve escandir-se a resolução delas”.
“Quanto tempo dura seu plano de voo?” é parte da série “Ponte Aérea”. Confira o primeiro texto da série aqui.