O Rio de Janeiro está velho. Será?

Memórias de uma carioca que mora em São Paulo

O Rio de Janeiro está velho.

Embora seja carioca, há pelo menos três anos não aparecia por essas bandas. Inicialmente, foi a pandemia que me condenou a um exílio forçado. Depois, a vida foi se impondo à vontade de voltar à cidade maravilhosa. 

Estava com saudades de domingos que parecem correr lentos e suados, de restaurantes e bares de calçada que ficam repletos de mesas com o pessoal do chope, da batata frita e do papo alto sobre o tudo e sobre o nada! De ar que cheira frutas. De cheiro de mar. De pé com areia de praia que entra em quase todos os lugares, de cabeleireiros a restaurantes, e das calçadas cheias de folhas das Amendoeiras. Estava até com saudades de entrar em um supermercado e encontrar alguém de short, camiseta decotada e chinelos de dedo ou “Escrocs” (Crocs).

Assim, que susto: o Rio envelheceu, o Rio, “serra de veludo, que sorri de tudo”, nos versos de Roberto Menescau, envelheceu. Em Ipanema, estão cachorros, carrinhos de bebê, gente apressada, donas de casa com compras e muitos idosos. Os idosos caminham sem pressa. Apoiam-se nas bengalas, nos braços de companheiras, em seus andadores. Observam a paisagem e, às vezes, param para cumprimentar os conhecidos.

Não raro, seguem tomando o rumo da praça Nossa Sra. da Paz. Sentam-se nos bancos, observam crianças em seus brinquedos. Nessa pracinha, perdura certo ar nostálgico de “interior”. Aos domingos, fica lotada. A banda fuzileiros navais ou a Orquestra Sinfônica Brasileira apresenta-se. Não há um coreto para abrigar os músicos, então, eles se sentam em cadeiras desmontáveis, dividindo o espaço sonoro com mães, babás, cachorros de colo. Comem-se churros, cachorro-quente e pipoca, obra do octogenário Luís que, toda tarde, perfuma as ruas com o cheiro da melhor pipoca doce de Ipanema. 

Observar o senhor Luís é uma aula acerca do envelhecimento: mostra que o correr dos anos não torna a atividade mecânica ou pouco vigorosa. Muito pelo contrário. Dependendo da posição do sujeito, toda hora é hora de alegria, renovação e exercício da singularidade. 

É, o Rio envelheceu. O que que tem? Parafraseando outro poeta carioca, Vinícius de Morais, mesmo nas cidades que envelheceram, podemos sempre tentar “ganhar dinheiro com poesia”.

Sobre gloriavianna@terra.com.br

Glória Vianna é psicanalista lacaniana e carioca. Formada em Psicologia pela PUC-RJ, fez curso de especialização em Arteterapia no Instituto de Arteterapia no Rio de Janeiro. Nessa área, trabalhou com grupos de crianças de 4 a 9 anos. Até hoje, adora história da arte (e sabe contar, com arte, várias histórias no atendimento de crianças). Durante quatro anos, fez formação analítica na Sociedade de Psicanálise Iracy Doyle, no Rio de Janeiro. Fundou, com um grupo de psicanalistas brasileiros e argentinos, a Escola de Psicanálise de Niterói, em 1983. Nessa época, traduziu as conferências de Gerárd Pommier e Catherine Millot. As traduções foram publicadas na revista da escola, “Arriscado”. Ama cavalos. Durante quase 10 anos dedicou-se à criação de cavalos árabes, criação essa que chegou a ter amplo reconhecimento no exterior. Vinda para São Paulo no final do ano de 1989, adaptou-se, a duras penas, à vida paulistana, onde, inclusive, fez Mestrado em Linguística na PUC-SP. Hoje, transita com facilidade entre São Paulo e Rio de Janeiro, mantendo clínicas em ambas as cidades. Eu seu site, Glória divide, com muito bom humor, pequenos episódios retirados de seus mais de 30 anos de clínica.
Adicionar a favoritos link permanente.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.