Só tive tempo pra escrever isto!

O tempo para no Vale dos Templos, na Itália.

Hoje em dia, as coisas não duram, elas escapam. Têm a sua durée muito menor. Tudo “cai de moda”, fica ultrapassado em dias, horas, minutos. Basta olhar, por exemplo, o Facebook: em segundos, algo já ficou ultrapassado. Com as invenções acontece o mesmo: quanto mais se inventa, mais é necessário inventar para que aquela invenção agora dita passada seja imediatamente substituída por outra, novinha em folha, pronta pra durar, ce que durent les roses: une saison, apenas uma estação, ou melhor, antes da estação terminar, porque ela deve ser ultrapassada, vencida pelo tempo implacável que corre mais que o do relógio; que não é o lógico, mas é o tempo do que se antecipa ao próprio tempo, o que vem antes dele pra mostrar que ele já foi ultrapassado…

O tempo ficou menor, o trabalho mais rápido. O tempo do relógio agora corre atrás dos sujeitos, assombrando-os com uma pressa que também não pode esperar, porque não tem tempo. Mas, não há tempo para quê? Ninguém sabe. Não dá tempo para perguntar, nem para saber, porque aqueles que poderiam responder também não têm tempo para falar… O tempo ficou menor, muito menor: encurtou as novidades, as surpresas, até mesmos os sustos estão ficando mais breves! 

Não há tempo para a saúde ou para se cuidar dela. O médico, por sua vez, também tem pouco tempo para escutar o sofrimento do paciente! Há inúmeros antibióticos que, se por um lado, encurtam o sofrimento humano, por outro, deixam os vírus e bactérias mais resistentes. Ops! Não se tem tempo para pensar, pesquisar, porque se tem de inventar algo mais potente ainda do que o mais potente que já era!

Quando era criança, era comum ouvir um trava-línguas que dizia mais ou menos assim: o doce perguntou pro doce qual era o doce mais doce que o doce; o doce respondeu pro doce que o doce mais doce que o doce é o doce de batata doce! Bom, mas pelo menos, na brincadeira de criança, paramos em um doce: o de batata doce! Mas hoje não se cessa, porque não se tem tempo para parar! 

É certo que a tecnologia contribui para essa aceleração do tempo: a cada momento alguém inventa algo para ajudar aqueles que não têm tempo terem mais tempo! E assim o tempo vai correndo, cada vez mais rápido ou cada vez atordoando mais os sujeitos que não conseguem alcançá-lo. 

A corrida do tempo é inversamente proporcional à angústia dos sujeitos por verem o tempo passar e dizerem, de forma profundamente infeliz, que não puderam fazer melhor, porque não tiveram tempo! Esquecem-se de que escolher uma opção não exige tempo algum. Tristes tempos, na medida em que o sujeito não se dá conta de que quanto mais corre, porque não tem tempo pra perder, mais perde, porque perdeu tempo com o tempo, achando que não o teria… E, assim, sucumbe ao próprio tempo, pois se deixou devorar por ele. Pergunto: terá sido por falta de tempo?

Sobre gloriavianna@terra.com.br

Glória Vianna é psicanalista lacaniana e carioca. Formada em Psicologia pela PUC-RJ, fez curso de especialização em Arteterapia no Instituto de Arteterapia no Rio de Janeiro. Nessa área, trabalhou com grupos de crianças de 4 a 9 anos. Até hoje, adora história da arte (e sabe contar, com arte, várias histórias no atendimento de crianças). Durante quatro anos, fez formação analítica na Sociedade de Psicanálise Iracy Doyle, no Rio de Janeiro. Fundou, com um grupo de psicanalistas brasileiros e argentinos, a Escola de Psicanálise de Niterói, em 1983. Nessa época, traduziu as conferências de Gerárd Pommier e Catherine Millot. As traduções foram publicadas na revista da escola, “Arriscado”. Ama cavalos. Durante quase 10 anos dedicou-se à criação de cavalos árabes, criação essa que chegou a ter amplo reconhecimento no exterior. Vinda para São Paulo no final do ano de 1989, adaptou-se, a duras penas, à vida paulistana, onde, inclusive, fez Mestrado em Linguística na PUC-SP. Hoje, transita com facilidade entre São Paulo e Rio de Janeiro, mantendo clínicas em ambas as cidades. Eu seu site, Glória divide, com muito bom humor, pequenos episódios retirados de seus mais de 30 anos de clínica.
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