Véspera de feriado. Avião muito lotado. As aeromoças se desdobravam para dar atenção aos passageiros. As pessoas entravam, olhavam o número do assento no pequeno papel e iniciavam então a caminhada… 5B, 1D. Pais afobados cuidavam de sua prole. No meio dessa agitação, pai, mãe e um menino, aparentando cinco anos, começaram uma discussão. Primeiro, o menino não queria sentar. Depois, não queria colocar o cinto de segurança. Diria-se que estava hiperativo.
Após a decolagem, novo impasse. Gritando, o menino queria trocar de lugar com a mãe, sentando-se no meio do casal. Ela disse que estava lendo a revista do avião; não queria ser incomodada. O pai não respondia nada, com fone de ouvido e jogando no celular, parecia já ter levantado voo para outro mundo. Quando intimado pela esposa para que ficasse ao lado do filho, respondeu: “pra mim qualquer coisa vai, desde que não me interrompam…”! A mãe continuou a ler a revista, a criança, sem saber o que fazer, começou a abrir e fechar bruscamente a bandeja da poltrona. Irritado, o pai falou: “Para quieto!”.
A mãe, com ar de enfado, disse para o filho sentar-se onde quisesse. Escolheu o lado da mãe, mas ela continuou lendo a revista. O menino iniciou uma série de batuques na mesa de refeição da poltrona. Passou a subir e descer repetitivamente a persiana da janela. Prosseguiu fazendo uma narrativa imaginária da viagem, em que dava ordens para que o piloto do avião fizesse tal ou tal manobra, inclusive, referindo-se a comandos com a torre de controle. Mostrava bastante intimidade com o mundo dos aviões. Os pais lhe ignoravam. Quando ele chutou a poltrona do vizinho da frente e este reclamou, o pai perguntou para a mãe: “estou jogando dinheiro fora? Para que serve a Ritalina que nosso filho toma?”
Sem entrar aqui no mérito de que a criança do avião precisaria ou não de um medicamento, e avaliando o caso só a partir dessa única cena, é difícil sustentar estarmos frente exclusivamente a um caso de Transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), comumente tratado com Ritalina.
A psicanálise ensina-nos que muitas das dificuldades dos filhos são sintomas dos pais. Não se trata de culpabilizar os responsáveis, mas é preciso chamar a atenção para o desconforto que havia naquela família. No caso, o pai referiu-se ao gasto com o medicamento, esperando um retorno que, para ele, seria o comportamento robotizado do filho. O sintoma daquela família seria delegar à Dona Ritalina a responsabilidade pela educação e acolhida amorosa daquela criança?
Assim é o sintoma, expressão de um desconforto que não sabe dizer de si. Ele ocorre como um fora de tom quando não se sabe a hora de cantar, um incômodo, muitas vezes, silencioso. Talvez, então, a esses pais, faltasse atenção às próprias questões. Daí a necessidade de tanto ruído por parte de seu filho.