Joana, 24 anos, era muito chata. Não parava de falar nunca, sempre em tom monocórdio. Reclamava que não tinha amigos, mas não tinha a menor ideia do motivo. A analista podia imaginá-los. Ao longo da sessão, só Joana falava. Ela não dava espaço. Mal terminava um assunto, já emendava outro, mais outro: palavra atrás de palavra A analista tentava intervir, mas era em vão. Joana blindava-se de qualquer tentativa de aproximação do outro. O que fazer?
Em sua clínica, um psicanalista conta com o seu corpo e com suas palavras para operar na direção da cura. A pessoa adoece psiquicamente por causa de significantes e o remédio é a ressignificação desses significantes. Um primeiro passo para isso é a pessoa aprender a se ouvir. Nesse ponto, cabe citação de Miller (2010), segundo o qual “a interpretação lacaniana mostra o impossível de dizer, tornando-o sensível”.
Ouvir-se não significa um prazer solitário e narcísico de escuta da própria voz. Tampouco se trata de cantar no banheiro ou, ainda, ficar repetindo em voz alta uma lista de compras do supermercado. Ouvir o dito é outra coisa, de modo que o analista, muitas vezes, precisa se valer de vários manejos para que alguém consiga sair do prazer inócuo de falar um blá-blá-blá inconsequente. A fala vazia, muitas vezes, é um tamponamento para a lida com a angústia.
Diante do blá-blá-blá incessante de Joana, não havia intervenção que surtisse efeito. O silêncio foi então usado para possibilitar que a paciente ouvisse sua verborragia. Em uma sessão, a analista cruzou os braços, passou a olhá-la fixamente em seus olhos, não dizendo absolutamente nada. Passado algum tempo, a paciente interrompeu o relato e, espantada, disse: “Nossa, não parei de falar desde que cheguei! Sobre o quê mesmo estava falando?”. A analista, encerrando a sessão, respondeu: “Ah, você estava falando? Não notei!”.
A analista agregou, ao silêncio, a ironia e a suspensão da sessão no momento em que a paciente nem mais se dava conta do que estava falando. Afinal, parecia que falar de qualquer coisa, de qualquer maneira, era um escudo para ter de lidar com o seu sofrimento.
O resultado dessa intervenção foi a possibilidade de Joana, pela primeira vez, ter se dado conta de sua falação vazia. Ao fazer isso, pôde-se questionar-se a respeito de por que tinha de preencher os vazios de sua angústia. Abriu-se, então, um espaço para que o trabalho analítico tivesse lugar.