O estilo do ensinar: as aulas de Luiz Alfredo Garcia-Roza

Bustos de filósofos da Grécia antiga, os mesmos sobre quem Luiz Alfredo Garcia-Roza ensinava em suas aulas.

Esse é o segundo texto da série em homenagem a Luiz Alfredo Garcia-Roza. Confira aqui o primeiro texto.

Inicialmente, as aulas com o professor Luiz Alfredo eram silenciosas. Os 30 adolescentes a quem ele falava da tal filosofia, no início dos anos 1970, começaram o ano letivo esperando passivamente pelo “maná” do céu. Durante aqueles anos, em que tudo deveria ser recebido e deglutido obedientemente, seguiam o modus operandi vivendi no Rio de Janeiro. 

O professor tentou inverter o dogma: convidou os alunos a exercitarem a “pensabilidade”, ou seja, refletirem, questionarem e ousarem a fazer perguntas. Ao trabalhar na direção de um ensino, dava as condições de “pensabilidade” para que cada um, com seu estilo, escapasse da circularidade da repetição do mesmo.

Luiz Alfredo sempre lutou contra o que chamava de “sapiência bovina”, ou seja, o ato de balançar a cabeça afirmativamente em qualquer ocasião, sem refletir a respeito. Ao longo de suas aulas, sua ética ia na contramão da repetição irrefletida e buscava muitos meios para que tivéssemos a coragem de pensar. 

Quando chegou a primeira prova, entretanto, ainda pensávamos que viria uma avaliação como todas as outras, compostas de muitas perguntas. Na época, usávamos o famoso papel almaço; folha de papel pautado, que deveríamos dobrar na margem esquerda, e caso precisássemos escrever mais ou não coubesse tudo no papel, teríamos de pedir outra para o professor. Para surpresa geral, ela continha apenas uma questão. 

─ “Oba! Vou terminar rapidinho e ainda vai dar para jogar frescoball na praia!”. Só que a excitação inicial acabou rapidinho. O professor não pediu que repetíssemos o pensamento isolado de cada filósofo, mas que soubéssemos colocá-los para conversar, articulando-os. Foram duas horas nas quais nos entreolhávamos, com um misto de desespero e impotência. Provavelmente, muitos saberiam escrever a respeito da biografia de Sócrates e Platão, citar trechos de cada um, elencar o que era o “ser” para os filósofos etc., tal qual a matéria dada. No entanto, como responder ao que foi pedido: comparar Platão e Sócrates tendo como base a discussão a respeito do “ser”? 

As notas baixas evidenciaram que, até então, só sabíamos estudar de uma forma: decorar conteúdos isolados, sem fazer a articulação necessária. Para tanto, o professor teve de lutar contra um pragmatismo dos alunos. O que fazer com a filosofia, para além das aulas? Para que serviria estudar Platão e Sócrates naqueles anos? Por exemplo, quando nos falou dos empiristas, era importante saber sua opinião: quem era mais especial? Hume? Berkeley? De quem ele gostava mais? Luiz Alfredo, tal qual um analista, nunca deu a resposta. Fazia com que cada aluno, com muita coragem e baseado na teoria, construísse a sua resposta, ainda que formada por certezas provisórias. 

 A Luiz Alfredo Garcia-Roza, meus sinceros e carinhosos agradecimentos.