A psicanálise e o trabalho

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A entrevista que se segue foi originariamente escrita a pedido de um veículo de comunicação. Como as boas perguntas suscitaram uma reflexão importante a respeito da felicidade no trabalho, a reproduzimos em nossa página. Nosso objetivo foi mostrar em que medida a psicanálise pode ler os sintomas atuais relacionados ao trabalho e ajudar quem dela se beneficia a viver uma vida mais produtiva.

O trabalho pode ser considerado prejudicial à saúde da população? Por quê?
Não, ao contrário. Quando alguém fez boas escolhas, o trabalho pode ser uma forma de criar e mostrar sua singularidade ao mundo.

Quando o trabalho pode se tornar prejudicial?
Quando a pessoa não sente prazer na atividade que escolheu para si e não consegue se implicar nas mudanças necessárias.

Na sua opinião, o que teria causado a situação que enfrentamos hoje em relação à vida profissional?
O fato de as pessoas terem demorado para dar respostas à grande competição no mercado. Se faltam vagas para quem é pouco qualificado, sobram para a mão de obra especializada. Isso gera stress em quem não consegue emprego e, também, em quem tem de trabalhar por dois, já que não tem colegas com quem dividir a responsabilidade.

O que seria um trabalho saudável?
Aquele no qual a pessoa tem oportunidade de se reinventar todos os dias. Um trabalho saudável não é feito somente das condições externas favoráveis. Por exemplo, um professor pode ter todos os recursos didáticos à disposição, ter poucos alunos em sala, trabalhar em uma escola de ambiente colaborativo e, mesmo assim, se sentir infeliz com relação ao seu trabalho. A alegria vem da oportunidade de fazer diferença.

O que você pensa sobre esses transtornos e síndromes que estão sendo diagnosticados por conta de muito estresse no trabalho?
Na clínica psicanalítica, trabalhamos com o caso a caso. Assim, não estigmatizamos alguém que chega se autorotulando. Para além de diagnósticos generalizantes, vamos investigar quais os sintomas específicos de cada sujeito. É preciso buscar por que a pessoa permanece em uma relação vampiresca e por quais motivos transforma o seu trabalho em um martírio.

Qual a principal causa de indivíduos terem chegado a esse alto nível de estresse no trabalho? Isso é reversível?
Um dos principais motivos para o estresse exagerado é a pessoa achar que pode fazer tudo. Cada um precisa saber seu limite. Às vezes as pessoas se cobram demais e pensam que teriam condições de atender a qualquer expectativa, independente das condições efetivas para isso. São pessoas que vivem aflitas por que não conseguem lidar com a pressão de que algo pode não sair como o planejado. Esse alto nível de estresse é reversível. Uma análise pode ajudar o sujeito a não ficar tão congelado nas expectativas do outro sobre ele. Um tratamento psicanalítico busca ajudar o sujeito a se comprometer com suas escolhas, sabendo avaliá-las estrategicamente.

Atualmente, muito se fala da “síndrome de burnout”. Quais são as principais características dessa síndrome?
“Síndrome de burnout” não é um termo do campo da psicanálise. É um nome dado a uma série de sintomas cuja causa sempre está relacionada ao trabalho. De modo resumido, as principais características são: esgotamento físico e emocional. A literatura especializada afirma que a estrutura da síndrome é feita de três aspectos: a) desgaste e exaustão emocional; despersonalização e incompetência ou falta de realização pessoal.

Existe alguma diferença entre essa síndrome para uma depressão comum? Qual seria?
Estamos falando de uma linha muito tênue entre uma coisa e outra. Tanto em um caso quanto em outro o sujeito se vê esmagado por contingências externas que afetam toda a sua vida psíquica, levando-o a sintomas físicos. Toda depressão pode acarretar em decréscimo no trabalho e todo decréscimo no trabalho pode acarretar em depressão.

O que esses transtornos relacionados ao trabalho causam na vida de um paciente?
Congelam a pessoa em uma posição de vítima, de injustiçada pelo outro. Ela fica triste, desanimada, sempre mostrando um desamparo frente ao outro. Não tem alegria de criar algo diferente ou de realizar suas funções profissionais.

Do ponto de vista da psicanálise, existem procedimentos a serem realizados em um paciente com a síndrome de burnout?
Isso varia de pessoa para pessoa, por isso é muito difícil dizer “procedimentos”. O que funciona para uma pessoa, pode não ter nenhum efeito em outra. Por esse motivo, procurar uma psicanálise poderia ser uma boa ideia. O psicanalista vai trabalhar na direção de deslocar os modos fixos como cada um se satisfaz com esse sofrimento, ajudando-o a investir a energia em outras coisas que possam lhe gerar prazer.

Que remédio a psicanálise indica para pessoas com transtornos relacionados ao trabalho? Qual a forma de tratamento?
Indico a cura pela fala. Uma escuta psicanalítica pode ajudar, e muito, o paciente a lidar com esses sintomas. O tratamento psicanalítico consiste em levar a pessoa que se queixa do seu trabalho a se dar conta de sua enorme participação em seu sofrimento. O sofrimento surge por causa de algo que para aquele sujeito foi impossível de colocar em palavras, de significar. O psicanalista busca ajudar o paciente a aumentar o repertório de respostas que ele pode dar para as mais diversas situações adversas da vida, sejam vindas do trabalho, das relações amorosas etc.
Paralelamente, é importante fazer atividades que o ajudem a pensar em outras coisas, por exemplo, fazer aula de dança, praticar esportes, encontrar novos hobbies, aprender um novo idioma etc.

Sobre gloriavianna@terra.com.br

Glória Vianna é psicanalista lacaniana e carioca. Formada em Psicologia pela PUC-RJ, fez curso de especialização em Arteterapia no Instituto de Arteterapia no Rio de Janeiro. Nessa área, trabalhou com grupos de crianças de 4 a 9 anos. Até hoje, adora história da arte (e sabe contar, com arte, várias histórias no atendimento de crianças). Durante quatro anos, fez formação analítica na Sociedade de Psicanálise Iracy Doyle, no Rio de Janeiro. Fundou, com um grupo de psicanalistas brasileiros e argentinos, a Escola de Psicanálise de Niterói, em 1983. Nessa época, traduziu as conferências de Gerárd Pommier e Catherine Millot. As traduções foram publicadas na revista da escola, “Arriscado”. Ama cavalos. Durante quase 10 anos dedicou-se à criação de cavalos árabes, criação essa que chegou a ter amplo reconhecimento no exterior. Vinda para São Paulo no final do ano de 1989, adaptou-se, a duras penas, à vida paulistana, onde, inclusive, fez Mestrado em Linguística na PUC-SP. Hoje, transita com facilidade entre São Paulo e Rio de Janeiro, mantendo clínicas em ambas as cidades. Eu seu site, Glória divide, com muito bom humor, pequenos episódios retirados de seus mais de 30 anos de clínica.
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