Achados ‘acidentais’ na vida, na genética e na psicanálise – Trechos selecionados

Aeroporto 1

com Suelen Gregatti da Igreja

Você procura uma coisa, descobre outra. Seria razoável imputar aos geneticistas a responsabilidade de informar, para as pessoas que realizam um sequenciamento genético, achados acidentais que, como o nome indica, apontam para diagnósticos inesperados? Esta foi a questão guia de uma pesquisa que, em outubro, o Instituto da Psicanálise Lacaniana (IPLA) apresentou, no maior congresso de genética do mundo, realizado no San Diego Convention Center, em San Diego, Califórnia (EUA), no 64th Annual Meeting of the American Society of Human Genetics.
Nosso trabalho, “Next generation DNA Sequencing and Incidental Findings. Consultant’s opinion about the impact of being informed”, foi inserido no eixo “questões éticas, legais, sociais e políticas na genética”. Foi realizado no âmbito do projeto Desautorizando o Sofrimento Padronizado, em uma parceria entre o Instituto da Psicanálise Lacaniana e o Centro de Estudos do Genoma Humano da Universidade de São Paulo. Proposto por Jorge Forbes, diretor da Clínica de Psicanálise desse centro de estudos, com apoio de sua diretora, a geneticista Mayana Zatz, o trabalho foi executado com colaboração de Claudia Riolfi, Rita Pavanello, Teresa Genesini, Suelen Igreja e de Maria da Glória Vianna.
Na realização da pesquisa, elaboramos um questionário, no qual perguntamos a pessoas de diferentes idades e graus de escolaridade se elas gostariam de ser informadas caso, ao se submeterem a um sequenciamento genético, descobrissem, por exemplo, um alto risco de desenvolver doenças que não estavam sendo inicialmente investigadas, como câncer de mama ou de próstata. Dentre as 208 pessoas que responderam, 85% afirmaram a vontade de serem informadas acerca de eventuais achados acidentais.
Chamou atenção, inclusive, que, nesse caso, 80% das pessoas declararam desejar receber um acompanhamento psicanalítico para lidar com uma eventual angústia frente ao conhecimento inesperado.
“Lidar com o inesperado” foi o aspecto que uniu nosso trabalho com o dos outros pôsteres inseridos no mesmo eixo temático. Cabe ressaltar que, dentre os apresentados no evento, apenas 1,7% discutiram aspectos ligados a questões voltadas à conduta diante dos achados acidentais. Fomos os únicos a incluir a dimensão subjetiva de quem recebe um diagnóstico.
Para dar a ver a diferença da abordagem do nosso trabalho com os demais que foram apresentados no mesmo eixo temático, com relação aos modos de interpretar o que seja o “lidar com o inesperado”, destacamos, a partir da leitura dos resumos, quais os aspectos éticos mais discutidos.
Foi dado destaque ao caráter de normatização da ética, configurada de modo a garantir a privacidade daqueles que se submetem a um sequenciamento genético. A principal preocupação quanto a esse aspecto está nas consequências médicas e legais. Discutiu-se a necessidade de criação de leis que regulamentem a “personalized medicine” (medicina personalizada) e de se estabelecer leis e uma política uniforme, que preservem as possibilidades de escolha e de controle sobre o sequenciamento genético de cada pessoa que se submeter a ele. Pretende, assim, garantir a privacidade das informações geradas por esse tipo de sequenciamento.
A criação de bancos de dados para partilhamento genético, por exemplo, é um dos cernes da preocupação dos pesquisadores, que buscam um aparato jurídico para o exercício de seu trabalho. Nas palavras dos pesquisadores, a ética tem um caráter moralista, ligado ao campo do dever expresso em verbos tais como: necessitar, precisar, ter e poder.
Notamos que a configuração da ética, tal como apresentada no evento da ASGH, não é a mesma trabalhada por nós. Para eles, ela está ligada a uma lei que se coloca como um imperativo “para todos”, por um lado controlando as ações das pessoas e, por outro, trabalhando com a ordem de uma previsão quanto ao futuro.
Diferente é a nossa visão da ética, que, para nós, não é um “bom para todos”, mas a responsabilidade singular frente ao acaso e a surpresa. Estamos acostumados com achados acidentais. A clínica psicanalítica é a clínica do inesperado, da surpresa, do que chamamos, com Lacan, de Real; aquilo sobre o qual não se pode falar, nem representar.
A clínica psicanalítica, com essa experiência do Real, pode oferecer melhores caminhos aos geneticistas do que se verem engessados em moralismos disciplinares.
Foi o trabalho que apresentamos.

Publicado originalmente em 05 de dezembro de 2014

Sobre gloriavianna@terra.com.br

Glória Vianna é psicanalista lacaniana e carioca. Formada em Psicologia pela PUC-RJ, fez curso de especialização em Arteterapia no Instituto de Arteterapia no Rio de Janeiro. Nessa área, trabalhou com grupos de crianças de 4 a 9 anos. Até hoje, adora história da arte (e sabe contar, com arte, várias histórias no atendimento de crianças). Durante quatro anos, fez formação analítica na Sociedade de Psicanálise Iracy Doyle, no Rio de Janeiro. Fundou, com um grupo de psicanalistas brasileiros e argentinos, a Escola de Psicanálise de Niterói, em 1983. Nessa época, traduziu as conferências de Gerárd Pommier e Catherine Millot. As traduções foram publicadas na revista da escola, “Arriscado”. Ama cavalos. Durante quase 10 anos dedicou-se à criação de cavalos árabes, criação essa que chegou a ter amplo reconhecimento no exterior. Vinda para São Paulo no final do ano de 1989, adaptou-se, a duras penas, à vida paulistana, onde, inclusive, fez Mestrado em Linguística na PUC-SP. Hoje, transita com facilidade entre São Paulo e Rio de Janeiro, mantendo clínicas em ambas as cidades. Eu seu site, Glória divide, com muito bom humor, pequenos episódios retirados de seus mais de 30 anos de clínica.
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Um Comentário

  1. I really enjoy the blog.Much thanks again. Great.

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