Não tem cura

Brasil 3

Retroceder para a sociedade de controle pode oferecer conforto, mas não felicidade.

O que a psicanálise tem a dizer a respeito do reacionarismo que, em pleno século XXI, se fez presente na Comissão de Direitos Humanos da Câmara? Tem causado comoção que tenha sido aprovado um projeto apelidado como a lei da “Cura gay”. Por que as pessoas têm protestado?
O texto aprovado (a passar ainda por outras duas comissões da Casa: Seguridade Social e Constituição e Justiça antes de seguir para o plenário da Câmara), permite que psicólogos proponham tratamento da homossexualidade, derrubando, assim, normas do Conselho Federal de Psicologia, para quem ser gay não é doença.
E para os psicanalistas, trata-se de doença? Retomemos a lição de Freud. Tendo sido procurado por uma senhora, preocupada com a orientação sexual de seu filho, redigiu uma carta, em 19 de abril de 1935, na qual deixava claro que esta condição em nada desabonava nem seu caráter nem sua saúde mental. Deixando bem claro que não concordava com a apreensão – moralista – da mãe preocupada, ele afirmou: “Não tenho dúvidas que a homossexualidade não representa uma vantagem, no entanto, também não existem motivos para se envergonhar dela, já que isso não supõe vício nem degradação alguma. Não pode ser qualificada como uma doença e nós a consideramos como uma variante da função sexual”.
Dirigindo-se a esta mãe, Freud foi claro ao dizer que, mesmo quando alguém quer, raramente uma análise se presta a “corrigir” a orientação sexual. Esclareceu, ainda, para que serviria o tratamento de um homossexual caso ele viesse à análise: “A análise pode fazer outra coisa pelo seu filho. Se ele estiver experimentando descontentamento por causa de milhares de conflitos e inibição em relação à sua vida social a análise poderá lhe proporcionar tranquilidade, paz psíquica e plena eficiência, independentemente de continuar sendo homossexual ou de mudar sua condição”.
Transcorridos quase 80 anos de sua publicação, porque a lição de Freud ainda não foi aprendida? Cito dois motivos. O primeiro é que as pessoas se enganam pensando que retroceder para velhos modelos vai proporcionar sossego para sua angústia. O segundo é que, para que a confusão amorosa se instale para o ser humano, não se trata desta ou daquela orientação sexual. Basta que o erotismo surja. Afinal, para o desejo sexual, como já cantou Luiz Gonzaga, em “O Xote das meninas”, “não tem um só remédio em toda medicina”.

Publicado originalmente em 21 de junho de 2013.

Sobre gloriavianna@terra.com.br

Glória Vianna é psicanalista lacaniana e carioca. Formada em Psicologia pela PUC-RJ, fez curso de especialização em Arteterapia no Instituto de Arteterapia no Rio de Janeiro. Nessa área, trabalhou com grupos de crianças de 4 a 9 anos. Até hoje, adora história da arte (e sabe contar, com arte, várias histórias no atendimento de crianças). Durante quatro anos, fez formação analítica na Sociedade de Psicanálise Iracy Doyle, no Rio de Janeiro. Fundou, com um grupo de psicanalistas brasileiros e argentinos, a Escola de Psicanálise de Niterói, em 1983. Nessa época, traduziu as conferências de Gerárd Pommier e Catherine Millot. As traduções foram publicadas na revista da escola, “Arriscado”. Ama cavalos. Durante quase 10 anos dedicou-se à criação de cavalos árabes, criação essa que chegou a ter amplo reconhecimento no exterior. Vinda para São Paulo no final do ano de 1989, adaptou-se, a duras penas, à vida paulistana, onde, inclusive, fez Mestrado em Linguística na PUC-SP. Hoje, transita com facilidade entre São Paulo e Rio de Janeiro, mantendo clínicas em ambas as cidades. Eu seu site, Glória divide, com muito bom humor, pequenos episódios retirados de seus mais de 30 anos de clínica.
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