O fracasso para a psicanálise

Fracasso

Aos vinte e oito anos, a moça era bonita, inteligente e adorava a profissão que tinha escolhido: economista. Seus conhecidos, no entanto, desconfiavam de algum feitiço maligno contra ela. Na economia da vida dela, as contas nunca batiam. A moça nadava, nadava, nadava, mas sempre morria na praia. Todas as vezes que estava prestes a conseguir alguma promoção na empresa, um tsunami acontecia na vida dela e não conseguia concretizar os planos. Um fracasso.

Durante seis meses, tinha participado de um processo seletivo interno da empresa onde trabalhava. Havia feito todos os cursos obrigatórios. Tinha aberto mão de todos os eventos sociais, do lazer etc. Passou em primeiro lugar em todas as provas. Eram 200 concorrentes no início do processo. Na última etapa, só tinham ficado quatro. No dia da última etapa, ela perdeu a hora e acordou duas horas depois do início da reunião. Logo ela, que nunca se atrasava. Como não tinha ouvido o despertador tocar?

No texto “Arruinados pelo êxito”, publicado em 1916, Freud se perguntou por que as pessoas não conseguiam sustentar a felicidade. Mostrou que existe uma relação entre o sucesso das pessoas e a doença psíquica. Para o psicanalista, era surpreendente e até mesmo atordoante, descobrir que muitos adoeciam no momento em que um desejo profundamente enraizado e, de há muito alimentado, estava prestes a se tornar realidade.

É como se as pessoas não fossem capazes de tolerar sua felicidade. É como se a pessoa encarnasse a expressão de senso comum “quem nasceu para dez contos de réis, não chega a um vintém”.

Por que isso acontece? Porque, segundo o psicanalista, o sentimento de culpa faz com que as pessoas não se autorizem ao sucesso. O patinar no fracasso alimenta esse sentimento de culpa, levando a pessoa a acreditar que ela não seria capaz ou não mereceria aquilo que ela deseja.

Como sair desse ciclo vicioso? Se, sozinha, a pessoa não consegue remar contra a maré, uma análise pode ajudá-la a sustentar o seu desejo e dar consequência a ele. Sabendo da preciosidade do tempo, o analista nunca é parceiro dos “delays” dos sintomas. Ele não é representante do superego, que puxa a pessoa para trás e faz esmorecer o desejo. O analista dirige uma análise de modo a fazer com que o sujeito se confronte com o desejo e se atenha a ele como um meio de vida.

O desejo está do lado do novo; da vida e não da morte.

Sobre gloriavianna@terra.com.br

Glória Vianna é psicanalista lacaniana e carioca. Formada em Psicologia pela PUC-RJ, fez curso de especialização em Arteterapia no Instituto de Arteterapia no Rio de Janeiro. Nessa área, trabalhou com grupos de crianças de 4 a 9 anos. Até hoje, adora história da arte (e sabe contar, com arte, várias histórias no atendimento de crianças). Durante quatro anos, fez formação analítica na Sociedade de Psicanálise Iracy Doyle, no Rio de Janeiro. Fundou, com um grupo de psicanalistas brasileiros e argentinos, a Escola de Psicanálise de Niterói, em 1983. Nessa época, traduziu as conferências de Gerárd Pommier e Catherine Millot. As traduções foram publicadas na revista da escola, “Arriscado”. Ama cavalos. Durante quase 10 anos dedicou-se à criação de cavalos árabes, criação essa que chegou a ter amplo reconhecimento no exterior. Vinda para São Paulo no final do ano de 1989, adaptou-se, a duras penas, à vida paulistana, onde, inclusive, fez Mestrado em Linguística na PUC-SP. Hoje, transita com facilidade entre São Paulo e Rio de Janeiro, mantendo clínicas em ambas as cidades. Eu seu site, Glória divide, com muito bom humor, pequenos episódios retirados de seus mais de 30 anos de clínica.
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