Grande agitação no saguão. Todos os passageiros deverão dirigir-se a outro portão de embarque. Assim, tais quais beduínos no deserto, os passageiros caminham com suas bagagens. O percurso nem é tão longo, mas parece uma eternidade, para quem, há mais de uma hora, tenta embarcar em um voo, sentar-se na aeronave, respirar e desfrutar de um pouco de silêncio, seja para dormir, ler um bom livro ou planejar oque fará na cidade de destino.
Toda semana, meus pés experimentam a sensação de, pelo menos por 50 minutos, flutuarem. Decolam em São Paulo e pousam no Rio de Janeiro. Não interessa o motivo da viagem. Cada um sabe de si, em seu silêncio mais perturbador que o motor do avião! Mas, esse silêncio tem seu tempo contado. Não se pode escapar do fato de que alguém vai reclinar a poltrona, pedir licença para se sentar no banco ao lado, esbarrarem alguma parte do seu corpo, pedir desculpas, porque pisou no seu pé ou mesmo pedir para baixar a persiana da janela. Quando finalmente o avião está preparado para a decolagem e você pensa que o silêncio vai reinar nos ares, lá vêm os intermináveis avisos! É preciso abstrair, caso contrário, você não “descola”!
Enfim, conseguir ficar em silêncio ou mesmo desfrutar de, ainda que por pouco tempo, um estado de ausência de barulho de qualquer ordem, é uma ilusão. Quando o avião decola, estamos mais perto do “mundo da lua”. No entanto, parece que ninguém pode se permitir estar nesse estado, em momentos de pura leveza e contemplação.
Da janela, é só você começar a olhar as nuvens se movimentando em slow motion que lá vem alguém pedindo para levantar a poltrona, puxar um papo sobre um último episódio do mundo da política ou de banalidades do dia a dia. A impressão que tenho é que pouco se suporta o silêncio. Quanto poderíamos aprender com ele. Ao invés disso, ninguém o suporta. Há sempre alguém mastigando um chiclete, falando com quem acabou de conhecer, questionando os comissários de bordo a respeito de qualquer coisa. Enfim, mais que ouvir o silêncio, as pessoas querem ouvir o som da própria voz ou de um outro.
De São Paulo ao Rio de Janeiro são 50 minutos em que o passageiro experimenta a sensação de uma imaterialidade. Enquanto o avião não aterrissa, são outros sons que quebram o silêncio da rotina diária. O telefone não vai tocar, não chegará aviso de mensagem com mais um problema para resolver, a campainha não será ouvida, o chefe não vai lhe cobrar nenhum relatório… O tempo é curto e passa tão rápido que quando, finalmente, a pessoa pensa que o silêncio reinará, lá vêm os avisos de preparação para a aterrisagem.
É chegada a hora em que o sujeito vai ter que “cair na real” e aterrissar nos barulhos e sons da vida cotidiana, ou melhor, da sua psicopatologia da vida cotidiana.Assim, ao invés de ouvir tantos barulhos de buzinas e celulares, que tal pararmos para pensar na necessidade de ouvirmos nosso silêncio? Esse sim precisa ser escutado atentamente, não importando quando e onde. Trata-se de um silêncio que não cessa de buscar maneiras de não se fazer ouvir. E por falar nisso, que cartão de embarque você escolherá para ouvi-lo?
“Silêncio na ponte aérea?” é parte da série “Ponte Aérea”, com novos textos a serem publicados.