O terno do desejo

Homenagem a Luiz Alfredo Garcia-Roza

Morreu Luiz Alfredo, acabei de falar com sua esposa Lívia. Como, para alguém que teve uma perda maior do que a minha, explicar da minha saudade que não vai passar?  

O que nos resta fazer com a saudade é lembrar, já que não podemos fazer diferente.  É engraçado que, na hora da lembrança, o tempo se torna curto, tão curto que, podemos nos lembrar com exatidão do que queremos agarrar. 

Fim dos anos 1960, talvez 1970, Rio de Janeiro, colégio Andrews, na praia de Botafogo. Colégio referência em estudos. No “curso clássico”, as aulas começavam pontualmente às 7:30 e iam até às 12:30, com uma grade de estudos bem puxada. 

Numa manhã, apareceu um rapaz alto, magro e de terno. Tinha a pele bem branca e profundos olhos verdes. Estávamos sentados esperando o professor. Olhou para todos nós e disse: meu nome é Luiz Alfredo Garcia-Roza. Ótimo, mas onde estava o professor?

Aí, ele escreveu no quadro, logo após o nome: professor de filosofia! 

Enquanto falava, o jovem professor caminhava calmamente sobre o tablado. Agia com tanta tranquilidade, que parecia já ter transmitido aquelas informações milhares de vezes. Enquanto falava, suas mãos gesticulavam no ar, procurando a melhor forma de nos explicar do que se tratava a filosofia. As palavras saíam calmas, seguras, em um tom muito sério, respeitoso, porém muito compenetrado. 

Nesta época o professor fumava. Ele acendia o cigarro e, em cada tragada, parecia que as palavras voavam. Os conceitos da filosofia saiam como se fossem fumaça, voando, voando. 

Nós ali sentados, queimados de praia, com dezessete, dezoito anos, muitas ideias na cabeça. Para nós, tudo era novidade: Platão, Sócrates, mas, acima de tudo, um professor bonitão de terno que mantinha a sala ávida e respeitosamente silenciosa. 

 (Rio de Janeiro, 16 de setembro de 1936 — Rio de Janeiro, 16 de abril de 2020)