Cachaça não é água, não!

Brasil 1

Para curar as ressacas da vida, não basta apelar para o Engov

Está chegando o fim do ano. Muita correria, a começar pelas donas de casa, para quem Natal e Ano-Novo não podem passar sem uma grande ceia. No caso do ano que vai chegar, a comemoração é acompanhada sempre de muita bebida: brinda-se por qualquer coisa, a qualquer hora.
Brinda-se, sobretudo, pelo que já se foi, pois não há como saber o que vem pela frente. Depois, reclama-se da ressaca. Ressaca… é assim o nome que se dá aos excessos, de bebida , de saudade, de amor, de tudo! Olhos de ressaca… Como nos arrependemos dos efeitos da “água que o passarinho não bebe”…
Dia seguinte: gosto de cabo de guarda-chuva na boca, corpo doído, dor de cabeça e a pergunta: como foi mesmo tudo ontem? Para a ressaca das festas de fim de ano, dizem que não há melhor medicação que o famoso “Engov”, cujo nome, aliás, parece ter se originado da pronúncia dada pela neta do dono do laboratório, ao ouvir a palavra em inglês “hangover”, ressaca. Resta saber se a ressaca que chega com o fim do ano é exclusivamente causada pela bebida.
Com certeza, a cachaça é marvada, porém, ainda mais marvada é a quebra das nossas expectativas. Muitas promessas são feitas, sobretudo, quando se começa a primeira semana do ano novo. Por exemplo: vou deixar de fumar, de tomar tanta cerveja, de comer tanto…
Lendo essas promessas com o jargão da psicanálise, podemos dizer que a pessoa promete a si própria domesticar o seu gozo, torná-lo menos associado ao sofrimento. As promessas de Ano-Novo, quase sempre, se referem à possibilidade de associar gozo e prazer. Por esse motivo mesmo, quando fazemos, desconfiamos: Mas será que não foi assim também no ano passado, e no retrasado também?
Há excessos que parecem ser incuráveis. Quanto a eles, nada adiantam as promessas, mas, sim, a consequência das ações. Quando não conseguimos fazer valer nossas próprias promessas, haja ressaca do coração e da vida! Só que, aí, o remédio talvez não seja “Engov”, mas uma boa sessão de análise, ou, quem sabe, uma boa dose de cachaça!

Publicado originalmente em 28 de dezembro de 2013

Sobre gloriavianna@terra.com.br

Glória Vianna é psicanalista lacaniana e carioca. Formada em Psicologia pela PUC-RJ, fez curso de especialização em Arteterapia no Instituto de Arteterapia no Rio de Janeiro. Nessa área, trabalhou com grupos de crianças de 4 a 9 anos. Até hoje, adora história da arte (e sabe contar, com arte, várias histórias no atendimento de crianças). Durante quatro anos, fez formação analítica na Sociedade de Psicanálise Iracy Doyle, no Rio de Janeiro. Fundou, com um grupo de psicanalistas brasileiros e argentinos, a Escola de Psicanálise de Niterói, em 1983. Nessa época, traduziu as conferências de Gerárd Pommier e Catherine Millot. As traduções foram publicadas na revista da escola, “Arriscado”. Ama cavalos. Durante quase 10 anos dedicou-se à criação de cavalos árabes, criação essa que chegou a ter amplo reconhecimento no exterior. Vinda para São Paulo no final do ano de 1989, adaptou-se, a duras penas, à vida paulistana, onde, inclusive, fez Mestrado em Linguística na PUC-SP. Hoje, transita com facilidade entre São Paulo e Rio de Janeiro, mantendo clínicas em ambas as cidades. Eu seu site, Glória divide, com muito bom humor, pequenos episódios retirados de seus mais de 30 anos de clínica.
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