No Rio de Janeiro, havia um psicanalista extremamente carrancudo. Durante as sessões, desde a sua Bergère (tipo de poltrona com encostos laterais para cabeça), praticamente limitava-se a pronunciar “Bom dia” ou “Boa tarde”; “nos vemos na próxima sessão”.
Os pacientes já estavam tão acostumados que nem estranharam quando ele parou de falar as frases habituais. Nem desconfiaram quando parou de se levantar para receber ou levar os pacientes até a porta.
Estranhando por que o analista nunca mais a chamava, a secretária foi averiguar. Ao se aproximar, pensou que ele estava dormindo. Na tentativa de acordá-lo, cutucou-o. Surpresa! O analista tombou sob seus braços. Tinha tido um ataque cardíaco fulminante. Os pacientes queriam saber na sessão de quem ele tinha morrido. Como iriam pagar para um morto?
Essa anedota ilustra certo imaginário de psicanalista: alguém com cenho franzido e fala pausada, contida. Em certa medida, chega a ilustrar o que, antigamente, aprendíamos nos cursos de formação de psicanalistas, nos quais existiam aulas de como deveríamos nos portar.
Anedota à parte, sabemos que o modo pessoal como cada analista lida com seus pacientes é diferente. A sisudez não é aval de sucesso na direção da cura. Então, neste site, ao falar de psicanálise com bom humor, estaríamos sugerindo que um psicanalista deva agir como um “bobo da corte”, funcionário que, no império bizantino, era encarregado de entreter o rei e a rainha e fazê-los rirem?
Não se trata disso. Longe do riso pejorativo ou barato, queremos aproximar-nos da acepção dada por Freud ao termo, em 1927. Para o pai da psicanálise, o humor é coisa séria. Trata-se de um modo de obter prazer que não é resignado, mas rebelde e revolucionário. Isso porque o ego se recusa a aceitar as provocações da realidade e da compulsão ao sofrimento, buscando subvertê-lo.
Agir com humor, portanto, é conseguir fazer o triunfo do ego e do princípio do prazer, afirmando-se contra a crueldade das circunstâncias reais. Nesse sentido, o humor não entretém, mas subverte a ordem comum das coisas. Porta-se como um guerrilheiro frente às situações difíceis da vida.
Freud ensina-nos que o humor é um dos métodos que a mente humana constrói para fugir à nossa compulsão ao sofrimento: “Uma série que começa com a neurose e culmina na loucura, incluindo a intoxicação, a auto-absorção e o êxtase” (FREUD, 1927, p.191). Diferentemente desses outros métodos, lutar contra o sofrimento, via humor, é ter uma atitude digna, remetendo-nos aqui ao termo freudiano.
Ter bom humor não é “tapar o sol com a peneira”, mas, sim, enxergar ou adotar uma saída inventiva para as situações mais adversas da vida cotidiana. Como o próprio Freud escreveu, nem todas as pessoas conseguem fazer isso. Para ter bom humor, necessariamente, é preciso abrir mão do seu narcisismo. Quem consegue rir de si mesmo ou inventar situações que provoquem riso no outro visam algo muito maior. Trata-se de ver a vida com outros olhos.
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