Enquanto o pai se espremia para atingir o balcão da lanchonete do aeroporto cheio, uma menina pediu uma bonequinha que via na vitrine da loja ao lado. O pai disse não. Ela insistiu. Ele falou mais alto. Diante da negativa mais veemente, ela pediu um saco de batatinha frita. Outra negativa. Os resmungos continuaram. Outro pedido, outra negativa. Então, como se fosse o último recurso, a menina disse:
– Pai, por favor, compra qualquer coisa, mas compra alguma coisa pra mim!
O pai pareceu atônito. Assustou-se com o que acabara de ouvir. Não conseguia falar nada, não teve nenhuma reação.
O que teria acontecido caso o pai tivesse comprado a loja inteira de bonequinhas e de batatas? A menina teria ficado satisfeita? Ou, o pai teria ouvido, no fim da conversa: – Pai, me compra ainda outra coisa?
Para responder a essa questão, precisamos pensar o que está implicado, inconscientemente, em todos os pedidos. Lacan, na lição de 21 de maio 1958, nos fala que toda demanda é demanda de amor. Logo, ao insistir na compra de objetos de consumo, o que essa criança pedia era um afeto que não estava à exposição em nenhuma vitrine: no caso, o amor de seu pai. Lacan não deixa dúvida quanto a isso. Para ele, o que é visado no amor é que o Outro dê seu próprio ser.
Assim, é quase indiferente se o pai comprasse ou não a boneca, pois, para a criança, o que importa é a manutenção da possibilidade de pedir, de manter o vínculo amoroso.
Quem procura compensar sua ausência com um brinquedinho aqui, outro acolá, na sede de “não deixar faltar nada”, está se iludindo, mas não necessariamente ajudando na constituição do laço amoroso.
Nesse ponto, é sempre bom lembrar uma lição valiosa da psicanálise: o que de melhor um pai pode transmitir ao seu filho é a sua própria castração. Esse é um jeito de falar que, nas lanchonetes da vida, há que se sustentar a impossibilidade de oferecer ao filho o que, supostamente, poderia satisfazê-lo, na esperança de, quem sabe, aplacar as exigências do próprio narcisismo desenfreado.