Estudar Lacan é um desafio para toda vida. A julgar pelos meus alunos de psicanálise, as comparações entre a escrita de Freud e de Lacan são comuns. Enquanto o primeiro é considerado claro, o segundo, obscuro, quase impossível de decifrar.
Haverá, certamente, parágrafos extremamente inquietantes, obscuros, impenetráveis. É nesse momento que a interpretação é ultrapassada: há uma escansão. Silêncio, pausa longa, o leitor para. Com o aparecimento do indecifrável, o leitor topa com o indizível, o enigmático, o real.
Quando este efeito se dá, é preciso suportar a leitura do texto lacaniano; ele entra fazendo furo. Assim, a leitura pode alterar a relação do leitor com o que se leu, renovando seu interesse pela psicanálise.
Ledo engano achar que para ler Lacan seria necessário um pequeno roteiro, do tipo, qual é o assunto, o número do Seminário, o ano do texto etc. Ler um texto de Lacan segue a escuta analítica.
É preciso coragem para encarar os movimentos de leitura exigidos por uma formação teórica. O estudo dura a vida toda, revitalizando a prática analítica. Quanto mais se aproxima da prática do inconsciente, mais se enfrenta a leitura de textos que fundamentam essa práxis.
Há momentos, entretanto, de pausa na compreensão do texto. Como tolerá-los? Como ler parágrafos inteiros, enigmaticamente difíceis e tentar prosseguir? Como falar sobre o que se sabe ler, mas não se sabe significar?
Àqueles que têm dificuldade de encarar a angústia da leitura, a dificuldade da nomenclatura, a falta de apoio teórico e, sobretudo, não aguentam o confronto com o fato de não saberem, aconselho humildade com relação ao texto e, acima de tudo, que o desejo alimente todo o percurso. A leitura vai ser confrontada com o leitor, ávido de saber, de poder debater, enfim, de poder abrir o texto que, até então, era uma incógnita para ele.
Na medida do possível, é preciso que se tome um tempo para que as palavras escritas se façam corpo para o leitor, tomem forma e se tente ouvi-las como uma interpretação, uma captura sua, do leitor enquanto sujeito.
“O estudo teórico” faz parte da série “A formação do psicanalista lacaniano”. Confira outros textos publicados aqui.