A formação do psicanalista lacaniano: a análise pessoal

É de senso comum que a formação do psicanalista de orientação lacaniana se faz por meio da formação teórica, análise e supervisão. Embora todos os elementos do tripé sejam importantes, dá-se privilégio à análise pessoal.

É impensável alguém trabalhar na direção do tratamento de alguém sem ter passado por uma análise. Essa afirmação é algo que se repete inúmeras vezes, mas, por quê? Você já pensou sobre isso? Este texto quer relançar esta pergunta, na medida em que entende a importância primordial da análise pessoal para a prática do psicanalista.

Uma vez ouvi na faculdade que o analista tem de se analisar, porque caso não faça análise, ele pode “confundir o que é dele e o que não é!”. Seria só isso? 

O analista deve ter passado pela análise, porque é a partir dela que ele vai poder ter, digamos, saber sobre seu inconsciente, o qual lhe possibilitará operar com outro que lhe dirige a palavra. Quanto mais alguém avançou em sua análise, mais condições terá para saber ouvir aqueles que o procuram.

Se o outro não sabe o que diz, expondo seu sofrimento por meio de palavras, o analista, para poder lhe dirigir na cura, precisa saber que por meio de sua experiência de escuta poderá ouvir e operar sobre o inconsciente daquele que lhe dirige a palavra. 

O princípio fundamental que norteia uma escuta é que tenha havido uma análise em que aquele que ouve o outro foi confrontado, inexoravelmente, com o que nunca soube de si e, nesse confronto, ter validado seu desejo de analista. 

Em geral, um analista não começa um processo de análise porque quer ser analista. Como qualquer pessoa, o que o sujeito busca é se livrar de um sofrimento que o paralisa. Como tantos outros encontros na vida, pode ou não acontecer, pode ou não ser bom, pode ou não fazer diferença. Logo, será sempre um encontro marcado pelo real, pelo contingente. 

Um começo de análise marca um momento na vida de um sujeito. Cronologicamente, temos um tempo antes e um depois de ter começado a análise. Trata-se de um tratamento que coloca em xeque a relação do sujeito com a sua história e com as palavras que, até então, marcaram a sua vida. 

Ao longo do tempo, haverá sempre “um ponto” que se percebe diferente na repetição da história. Haverá sempre um afeto na ligação com a palavra que vai fazendo giros e giros. Nesse processo, é necessário coragem para se enfrentar o real. Por mais doloroso que inicialmente isso possa parecer, é só por meio desse enfrentamento que o sujeito poderá se descolar daquilo de que era escravo.

“A análise pessoal” faz parte da série “A formação do psicanalista lacaniano”. Confira outros textos publicados aqui.

Sobre gloriavianna@terra.com.br

Glória Vianna é psicanalista lacaniana e carioca. Formada em Psicologia pela PUC-RJ, fez curso de especialização em Arteterapia no Instituto de Arteterapia no Rio de Janeiro. Nessa área, trabalhou com grupos de crianças de 4 a 9 anos. Até hoje, adora história da arte (e sabe contar, com arte, várias histórias no atendimento de crianças). Durante quatro anos, fez formação analítica na Sociedade de Psicanálise Iracy Doyle, no Rio de Janeiro. Fundou, com um grupo de psicanalistas brasileiros e argentinos, a Escola de Psicanálise de Niterói, em 1983. Nessa época, traduziu as conferências de Gerárd Pommier e Catherine Millot. As traduções foram publicadas na revista da escola, “Arriscado”. Ama cavalos. Durante quase 10 anos dedicou-se à criação de cavalos árabes, criação essa que chegou a ter amplo reconhecimento no exterior. Vinda para São Paulo no final do ano de 1989, adaptou-se, a duras penas, à vida paulistana, onde, inclusive, fez Mestrado em Linguística na PUC-SP. Hoje, transita com facilidade entre São Paulo e Rio de Janeiro, mantendo clínicas em ambas as cidades. Eu seu site, Glória divide, com muito bom humor, pequenos episódios retirados de seus mais de 30 anos de clínica.
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