A formação do psicanalista lacaniano: o estudo teórico

Estudar Lacan é um desafio para toda vida. A julgar pelos meus alunos de psicanálise, as comparações entre a escrita de Freud e de Lacan são comuns. Enquanto o primeiro é considerado claro, o segundo, obscuro, quase impossível de decifrar. 

Haverá, certamente, parágrafos extremamente inquietantes, obscuros, impenetráveis. É nesse momento que a interpretação é ultrapassada: há uma escansão. Silêncio, pausa longa, o leitor para. Com o aparecimento do indecifrável, o leitor topa com o indizível, o enigmático, o real. 

Quando este efeito se dá, é preciso suportar a leitura do texto lacaniano; ele entra fazendo furo. Assim, a leitura pode alterar a relação do leitor com o que se leu, renovando seu interesse pela psicanálise. 

Ledo engano achar que para ler Lacan seria necessário um pequeno roteiro, do tipo, qual é o assunto, o número do Seminário, o ano do texto etc. Ler um texto de Lacan segue a escuta analítica.

É preciso coragem para encarar os movimentos de leitura exigidos por uma formação teórica. O estudo dura a vida toda, revitalizando a prática analítica. Quanto mais se aproxima da prática do inconsciente, mais se enfrenta a leitura de textos que fundamentam essa práxis

Há momentos, entretanto, de pausa na compreensão do texto. Como tolerá-los? Como ler parágrafos inteiros, enigmaticamente difíceis e tentar prosseguir? Como falar sobre o que se sabe ler, mas não se sabe significar? 

Àqueles que têm dificuldade de encarar a angústia da leitura, a dificuldade da nomenclatura, a falta de apoio teórico e, sobretudo, não aguentam o confronto com o fato de não saberem, aconselho humildade com relação ao texto e, acima de tudo, que o desejo alimente todo o percurso. A leitura vai ser confrontada com o leitor, ávido de saber, de poder debater, enfim, de poder abrir o texto que, até então, era uma incógnita para ele. 

Na medida do possível, é preciso que se tome um tempo para que as palavras escritas se façam corpo para o leitor, tomem forma e se tente ouvi-las como uma interpretação, uma captura sua, do leitor enquanto sujeito. 

“O estudo teórico” faz parte da série “A formação do psicanalista lacaniano”. Confira outros textos publicados aqui.

Sobre gloriavianna@terra.com.br

Glória Vianna é psicanalista lacaniana e carioca. Formada em Psicologia pela PUC-RJ, fez curso de especialização em Arteterapia no Instituto de Arteterapia no Rio de Janeiro. Nessa área, trabalhou com grupos de crianças de 4 a 9 anos. Até hoje, adora história da arte (e sabe contar, com arte, várias histórias no atendimento de crianças). Durante quatro anos, fez formação analítica na Sociedade de Psicanálise Iracy Doyle, no Rio de Janeiro. Fundou, com um grupo de psicanalistas brasileiros e argentinos, a Escola de Psicanálise de Niterói, em 1983. Nessa época, traduziu as conferências de Gerárd Pommier e Catherine Millot. As traduções foram publicadas na revista da escola, “Arriscado”. Ama cavalos. Durante quase 10 anos dedicou-se à criação de cavalos árabes, criação essa que chegou a ter amplo reconhecimento no exterior. Vinda para São Paulo no final do ano de 1989, adaptou-se, a duras penas, à vida paulistana, onde, inclusive, fez Mestrado em Linguística na PUC-SP. Hoje, transita com facilidade entre São Paulo e Rio de Janeiro, mantendo clínicas em ambas as cidades. Eu seu site, Glória divide, com muito bom humor, pequenos episódios retirados de seus mais de 30 anos de clínica.
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