“Modo Assunção”: Com que máscara você vai no baile da vida?

Carnaval, época de grande festa nas ruas. A cada ano, máscaras de novos personagens enfeitam os foliões e trazem o inusitado nos salões e nos bloquinhos. Este ano, uma das novidades polêmicas é a criação do disfarce com o rosto do ator Fábio Assunção. Como ler o sucesso desse adereço com a psicanálise?

Existe uma dupla função no uso da máscara “Fábio Assunção”. Primeiramente, tem a ver com a função primária de toda e qualquer máscara: proporcionar o anonimato, escondendo o sujeito no grupo. Ao usar a máscara, o sujeito tem a ilusão de proteção. Apaga-se no meio da multidão, de forma a não se comprometer, passando despercebido no bloco da vida. Vale lembrar da letra do clássico Noite Dos Mascarados, de Chico Buarque (1966), em que a decisão de se deixar levar está descrita: “Deixa o dia raiar/ que hoje eu sou/Da maneira que você me quer./O que você pedir eu lhe dou,/Seja você quem for,/Seja o que Deus quiser!”. Ao se mascarar, o sujeito dissolve-se no grupo e torce, desesperado, para não ser reconhecido em sua subjetividade. Paga o anonimato com seu corpo, tentando se convencer de que não viveu a história da própria vida.

A segunda função da máscara é nomear o gozo, circunscrevendo-o de algum modo, em algum grupo ou lugar. Por exemplo, a pessoa que usa a máscara com o rosto do ator “Fábio Assunção” já explicita o gozo de “viver a vida adoidado”, sem limites. Isso porque a máscara é um caso particular de disfarce cuja função pode ser a de dizer o que se quer esconder. Aliás, na língua, fala-se frequentemente que “para bom entendedor, meia palavra basta”. Mostra-me tua máscara que te direi a camisa que vestes. Nesse sentido, colocar a máscara do Assunção pode ser lido como um modo de lidar com aquilo de que o sujeito não consegue se desvencilhar.

Assim, nomear a ação de beber e de curtir sem moderação como “Modo Assunção” já é um modo de moderar a curtição. Por um lado, relembra, tornando presente, a maneira como o ator lida, luta e sofre com a dependência química. Por outro, pela nomeação, dá uma borda ao gozo desenfreado e disforme.

É um primeiro passo para quem pretende lidar com o sofrimento psíquico. Um segundo, oferecido pela psicanálise, seria abrir mão das máscaras pré-fabricadas em favor da reinvenção de uma fantasia única, feita sob medida para o seu desejo singular. É o que de melhor podemos esperar para o ator cuja situação se tornou pública por conta dos gifs, memes e assemelhados com o mote “Ativar o modo Fábio Assunção”, bem como a todos cuja vida levou a aceitar esse convite.

Sobre gloriavianna@terra.com.br

Glória Vianna é psicanalista lacaniana e carioca. Formada em Psicologia pela PUC-RJ, fez curso de especialização em Arteterapia no Instituto de Arteterapia no Rio de Janeiro. Nessa área, trabalhou com grupos de crianças de 4 a 9 anos. Até hoje, adora história da arte (e sabe contar, com arte, várias histórias no atendimento de crianças). Durante quatro anos, fez formação analítica na Sociedade de Psicanálise Iracy Doyle, no Rio de Janeiro. Fundou, com um grupo de psicanalistas brasileiros e argentinos, a Escola de Psicanálise de Niterói, em 1983. Nessa época, traduziu as conferências de Gerárd Pommier e Catherine Millot. As traduções foram publicadas na revista da escola, “Arriscado”. Ama cavalos. Durante quase 10 anos dedicou-se à criação de cavalos árabes, criação essa que chegou a ter amplo reconhecimento no exterior. Vinda para São Paulo no final do ano de 1989, adaptou-se, a duras penas, à vida paulistana, onde, inclusive, fez Mestrado em Linguística na PUC-SP. Hoje, transita com facilidade entre São Paulo e Rio de Janeiro, mantendo clínicas em ambas as cidades. Eu seu site, Glória divide, com muito bom humor, pequenos episódios retirados de seus mais de 30 anos de clínica.
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