Quarentena: Dicas para uma faxina na alma

Baralho de cartas

E agora? Confinados, o que fazer com tanto tempo ocioso nesta quarentena? Nos sites destinados a nos dar dicas, se fala muito em faxina e organização de casa. 

Pode até ser uma boa ideia, sair pelos cômodos como quem estivesse visitando um museu: vire agora para lá, a direita você vai ver, em seu armário da cozinha, a seção de antiguidades: uma quantidade absurda de Tupperwares que você esqueceu de devolver e agora está com vergonha, outros sem tampa, alguns furados… 

Vai encontrar, também, as homenagens aos deuses da agricultura, um arroz negro, que você adora, com o prazo de validade vencido, escondido atrás do saco de açúcar, que, aliás, vale até abril; será que o Corona já vai ter acabado? ‘Nossa este, ainda vale até dezembro, e vc havia esquecido, lá no cantinho do armário, quase escondido sob o saco de açúcar… 

Não vai dar nem uma hora de arrumação e você só vai estar pensando no que venceu, perdeu o prazo. Houve até que contasse que, após arrumar todo o closet e ir dormir, de repente acordou com um grito. Era sua blusinha que tropeçou e caiu de moda! 

Pensar que, ao olhar nossas coisas, nos deparamos com os sacrifícios que nós fizemos para ter o que, na hora da faxina, olhamos meio desolados. As prestações para o conjunto de panelas não aderentes; aquela saia justa que ressaltaria os esforços na academia e mataria de inveja as amigas e, agora, parece só cafona. Às vezes, ao invés de dar prazer, o excesso dá angústia.

Neste ponto da quarentena, o da angústia, ganhamos uma nova bússola. Que objetos já não fazem mais sentido algum, gerando angústia? A que eventos ou pessoas estão associados? O que mais pode ser jogado fora junto com o potinho velho? Desbastar o peso do presente perpétuo vai tornar você mais leve, mais suave. Não se trata de desprender-se simplesmente porque as prateleiras estão cheias, mas porque angustiar-se sempre é um convite para transformações.

Sustentar as perguntas e as respostas, que é o outro nome de se fazer amigo da angústia, dá trabalho, é para poucos. Arrumar o armário da alma é para aqueles que tem coragem.

Quarentena: dicas para uma faxina na alma

Sobre gloriavianna@terra.com.br

Glória Vianna é psicanalista lacaniana e carioca. Formada em Psicologia pela PUC-RJ, fez curso de especialização em Arteterapia no Instituto de Arteterapia no Rio de Janeiro. Nessa área, trabalhou com grupos de crianças de 4 a 9 anos. Até hoje, adora história da arte (e sabe contar, com arte, várias histórias no atendimento de crianças). Durante quatro anos, fez formação analítica na Sociedade de Psicanálise Iracy Doyle, no Rio de Janeiro. Fundou, com um grupo de psicanalistas brasileiros e argentinos, a Escola de Psicanálise de Niterói, em 1983. Nessa época, traduziu as conferências de Gerárd Pommier e Catherine Millot. As traduções foram publicadas na revista da escola, “Arriscado”. Ama cavalos. Durante quase 10 anos dedicou-se à criação de cavalos árabes, criação essa que chegou a ter amplo reconhecimento no exterior. Vinda para São Paulo no final do ano de 1989, adaptou-se, a duras penas, à vida paulistana, onde, inclusive, fez Mestrado em Linguística na PUC-SP. Hoje, transita com facilidade entre São Paulo e Rio de Janeiro, mantendo clínicas em ambas as cidades. Eu seu site, Glória divide, com muito bom humor, pequenos episódios retirados de seus mais de 30 anos de clínica.
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Um Comentário

  1. Não é fácil mexer no armário, e sendo o da alma muito delicado. A questão não é o armário ser arrumado ou não, e sim o conteúdo.
    Parabéns pela coragem de abordar o tema

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