Mãe e filho chegam ao consultório da analista. O menino, de três anos, tinha sido encaminhado por um fonoaudiólogo que, por sua vez, havia sido indicado por um pediatra. Fisiologicamente, o menino não tinha nenhum problema que o impedisse de mastigar, mas, desde sempre, ele havia se recusado a fazê-lo.
Até a época das sopinhas e papinhas, Juninho nunca tinha dado trabalho. Na hora da introdução dos alimentos sólidos, o pesadelo tinha começado: ele não mastigava nem chocolate.
Ela e o marido, Roberto, tinham cedido aos seus caprichos. Consequentemente, Isaura tinha se tornado uma especialista em “papinhas”. Todas as vezes que viajavam, por exemplo, era o mesmo calvário: eles levavam um arsenal de potinhos em bolsas térmicas.
Como o sintoma da criança responde ao que existe de sintomático na estrutura familiar, a analista pontuou que, para aquela família, havia algo que estava “difícil de engolir”. Isaura passou a falar de sua relação com o marido.
Antes do filho nascer, ela conseguia “dar conta de tudo”: de manter a casa impecável, de manter a excelente aparência e de colaborar profissionalmente no escritório de advocacia da família. No escritório, antes mesmo dele lhe pedir, entregava-lhe os processos com os pontos principais anotados. Era do tipo de pessoa que antecipava as necessidades do marido.
Havia se afastado dessas funções com a licença maternidade. A analista perguntou se Isaura sentia falta dessas atividades. Mais ou menos. Ela cansava. Descreveu: “− Doutora, eu lhe entregava o processo todo mastigadinho”.
Coincidência? Difícil. Ao que tudo indicava, ao não mastigar, Juninho tinha respondido à perda da posição de gozo de sua mãe: fornecer ao outro tudo pré-digerido. Era desde esse lugar que ela se reconhecia. Caso ele mastigasse, Isaura ficaria sem função.
É curioso para que serve um analista. Sozinho, o paciente consegue relatar seu sofrimento, mas não tem ideia de sua implicação na sua manutenção. Isaura não suspeitava que os “tiranos”, como a própria Isaura se referia, haviam sido constituídos e mantidos por ela. Ela era a imperatriz desse reino. Para ajudar seu filho a crescer, precisaria encontrar outras modalidades de gozo, liberando o menino.
Pingback:TDAH: A quem falta atenção? ⋆ Glória Vianna
Pingback:Amor próprio: Da prisão que se coloca na cabeça ⋆ Glória Vianna
Pingback:Só tive tempo pra escrever isto! ⋆ Glória Vianna
Pingback:A paciência do analista: a repetição da escuta ⋆ Glória Vianna